28 de jun. de 2014

O poema desorientado




Alguma coisa acontece só que não sei o que é exatamente
Alguma coisa desacontece quando digo tchau
Alguma coisa floresce quando você aparece
Alguma coisa apodrece quando dizemos que é o fim

Alguma coisa desaparece quando a criança chora
Alguma coisa enfeita quando alguém sonha
Alguma coisa enfeia quando você desaponta
Alguma coisa, só alguma coisa, me perde quando eu te encontro

A vida e seus nós
Os nós e a minha vida
A minha vida
A sua vida
A nossa vida que nunca existiu

Aquele texto não faz mais sentido
Você não faz mais sentido
E eu nunca fiz sentido algum
Do mesmo jeito que a vida desfaz
Eu te desfiz de mim
Eu te desfiz do meu mundo
E dos meus versos

Aquela paixão infantil já não existe mais
Aquele amor de infância desapareceu
Aquele amor entalado na garganta não faz mais questão
Aquele amor desfeito acabou
E aquela alma entristeceu


Textos não fazem sentido
Horóscopos não fazem sentido
As estrelas não fazem sentido
E infelizmente
Eu também não faço mais sentido. 

16 de jun. de 2014

Se você quisesse saber - Tati Bernardi



Eu tenho vontade de te contar tantas coisas. Mas você não sabe como dói e como é solitário ser gente. Gente tem mais é que guardar esses absurdos. Ontem, por exemplo, eu estava no avião, indo pra tal da palestra que eu te contei que tinha em Porto Alegre, e o medo voltou. Sabe o que eu fiz? Peguei um caderninho que sempre levo comigo e anotei tudo o que o medo queria me dizer. Fiquei besta de ver que se ele queria me dizer alguma coisa, ele não era exatamente eu. Era só o medo. Olhei o Rivotril que minha mãe colocou na minha bolsa e aquilo não me pareceu nenhuma solução. Eram apenas duas coisinhas brancas e pequenas num recortinho de embalagem. Duas coisinhas que jamais terão o tamanho de tudo isso que tem aqui dentro. Eu senti meus pés tão fortes e meu rosto tão corado. Eu gostei de mim e da vida como não gostava há muito tempo. A vida soprou no meu ouvido para eu parar com essa coisa de não me dar comida e não me dar confiança. E isso é idiota mas quis muito que você fosse o único a saber.

Queria te contar, também, que na hora da palestra me deu tanto medo de desmaiar no meio da fala que tomei dois copos inteiros de guaraná. Mas na hora mesmo, de falar, eu lembrei de você me dizendo que ansiar ou sentir assim a vida pode fazer as palavras assumirem um poder mais mágico e, acho que porque gostei do que você falou ou simplesmente porque gosto de você, consegui não tremer o microfone e até fiz algumas pessoas rirem de alguma piada. Foi bom. Gostei da vida de novo. E de mim. E nossa. Só Deus, aquele que você não acredita que existe, sabe o quanto eu quis te contar tudo isso.

Você não imagina como dói e como é solitário ser gente. Você nem sonha. Gente não pode ligar pro moço que conhece há dias e perguntar que raio ele ta fazendo que não liga, não pergunta, não continua apertando o play. Gente não pode fazer isso. Mas então que merda eu sou se gente não pode fazer isso? Sou menos ou mais que gente? Eu só queria que você soubesse que hoje ouvi a tal da música da Nina Simone que diz que o baby Just cares for me e fiquei rindo que nem besta. Uma senhora achou graça. Um homem bocejou. Uma criança cabeçuda além da conta se escondeu. O mundo sabe do que é essa minha cara, mas nem por isso está preocupado em me dar os pêsames ou os parabéns. Gostar de alguém, de novo, deveria ser algo como um enterro ou um nascimento. Mas gente acha só que é mais uma perda de tempo. E eu, que sei lá que merda sou, queria muito que não fosse.

Queria te contar que descobri porque te tratei mal da última vez. É que o raio da blusa cinza furada te deixa tão bonito e eu tenho mania de chorar quando acho alguma coisa muito bonita. E pra não chorar eu trato mal. A vida me emociona o tempo todo mas se eu ficasse chorando, quem ia pagar minhas contas e quem ia me querer cheia de olheiras? Então eu corro. Me dá de novo a vontade de ir embora. Eu to sempre indo embora mas aí vai um super clichê...: é de tanto que eu só queria ficar. E queria que você não achasse que sou sempre louca, ainda que eu seja.

Queria te dizer que foi mesmo ridículo quando você disse que gostava da sua aula de francês porque era mais divertida do que qualquer outra coisa e eu comparei isso com minha aula de personal de musculação. Agora me diz como eu posso falar tanta besteira só por causa de uma blusa cinza? Isso não é engraçado? Seria engraçado, se ser gente não fosse tão trágico e dizer essas coisas tão absurdo. Ser gente é um saco, um porre, uma coisa entravada no peito. Mas o que eu queria mesmo te dizer é que, só porque talvez você queira saber, nem gente mais eu ando conseguindo ser.

14 de jun. de 2014

Eu não sou insensível, tá?






Passei muito tempo cultivando a teoria de que não preciso de ninguém. Cultivei durante dois anos que sou fria o suficiente. Cultivei e ela cresceu. Agora é difícil alguém me prender. É difícil olhar para as opções com entusiasmos. Só sinto tédio enorme para escolher quem seria o eleito. Até porque sou controladora. Tudo tem que sair conforme o que eu quero, se não sair, eu deixo para lá. Eu não sei lidar quando alguém diz que está apaixonado por mim. Tudo que mais quero é sair correndo e dizer que isso é errado. Eu não sou uma pessoa apaixonável, minha vida é complicada e aposto que você não quer carregar meus anjos e demônios.

 Daí eu tenho que lidar com as verdades dos meus amigos que nunca são as minhas verdades. Layla, você não se envolve. Layla, para de iludir. Layla, faça isso. Layla, faz aquilo outro. Layla, Layla. Fica até repetitivo ouvir as mesmas coisas durante tanto tempo. Eu não quero ser robótica, programada e fria. Quero arder e gritar de paixão, e de orgasmos. Quero entrar na sua vida, seu jogo, sua memória. Quero ser nada mais, quero ser tudo. Só que apenas tenho que lidar com algo que não sei muito bem. Apenas tenho que aprender a lidar com a felicidade e deixar de lado um pouquinho o drama.

Fujo de relacionamentos e isso não é estranho para ninguém. Fujo mesmo, sem dó ou piedade. Mas ainda assim, sou uma menina. Sou a mesma menina que sonha, suspira, e escreve e apaga por medo da resposta. Sou a mesma menina insegura. Aquela mesma menina que se boicota mas que ainda assim, suspira. Nossa Layla, você não é legal com ninguém. Meu amor, eu não sou legal nem comigo. Mas eu sei, tento mudar, tento até mesmo manter contato com aqueles que se julgam apaixonados, mas a única coisa que consigo é fugir. Eu fujo porque é legal, porque é divertido. Eu fujo do amor, mas ele me ronda e eu acabo achando que estou apaixonada. Aí o bicho pega.

Preciso deixar tudo feio para que o amor não me vença. Preciso deixar tudo incrivelmente triste para que me sinta triste novamente. Preciso ficar mal humorada para não suspirar e nem escrever apaixonada. Eu não sei escrever textos quando estou apaixonada. Não sei escrever textos sobre como é bom amar. Só sei o que é a dor. Só sei lidar com ela. Não sei lidar com o amor, nem com os suspiros, e nem com ele. Ah é, ele. Ele é que me deixa suspirando, mas aí tenho que me endurecer e nada de sorrisos, nada de meiguice. Nada de fazer joguinhos. Apenas é a verdade que talvez seja uma ótima candidata a passar o resto da minha vida fugindo desse sentimento.

Daí eu vejo filme de comédia e eu só consigo sentir dó da personagem que só foge do amor e que no final, ela o encontra. Mas eu sei que isso não vai acontecer comigo. Vou fugir e eu não vou encontrar ninguém. Só vou me encontrar ou me perder para sempre.

Até que ponto se tornar suficientemente amorosa se torna triste? Quando pode fugir dessa insensibilidade que criei? Ninguém suspeita mas sou sensível. Sou tão sensível que me acho até idiota para assumir isso. Choro assistindo filme e com histórias de amor. Choro em despedidas e até mesmo casamentos. E o mais inacreditável é que consigo até mesmo pensar em casamento. E eu que nunca fui muito adepta a essa ideia.  Uma menina se torna insensível quando?  Não me apego. Não tanto como deveria. Não sou fã de promessas. Não acredito em nenhuma delas. Mas ele sabe disso. Ele sabe e ri. E aí só me dá mais motivos para querer ficar mas ao mesmo tempo só consigo pensar em como terminará.

Quando me pego apaixonada por alguém e resolvo contar essa pequena novidade aos meus amigos, eles não me pedem para ir com calma, eles me mandam ir rápido. Layla, vê se não foge viu? Tá bom, eu não vou fugir  - digo. Mas a única coisa que involuntariamente faço é fugir do ciclano. Fujo porque o beijo é bom. Fujo porque o abraço é protetor. Fujo porque sou assim, fugitiva e livre.  Sempre estou pronta para o fim e para o começo. Vivo terminando comigo, e com outros. Vivo começando e ao mesmo tempo desistindo. Vivo nessa ciranda de sentimentos que me movem e comovem o mundo.

Eles só precisam saber que não sou tão insensível. Eles só precisam acreditar que ainda sinto e sinto muito. Você sabe não é? Você sabe tão bem quanto eu, que sou uma menina que ainda, lá no fundo, ainda crê em príncipes e sonhos, não é? Eu sei, homem perfeito não existe. Mas me deixa imaginar. Me deixa aqui quietinha. Foram anos cultivando esse lado que nem sei se existe ou se existiu somente dentro dessa minha cabecinha oca de inventar. Sou terrível, mandona e teimosa.

Sou a insensatez em pessoa. Mas nunca, nunquinha, deixei de sentir. Eu sinto, sinto tanto que tudo isso me comove. Me comovo com a chuva que cai, com a história de amor do outro, da minha vida com o outro. Me comovo com as cantadas que ele recebe, e com os meninos que só conseguem pensar isso de mim. Vejo essas meninas no facebook Eu fugi desse menino igual diabo da cruz. Mas agora ele sabe. Sabe que todas às vezes que fui chata era porque não queria passar o resto do dia suspirando, chorando ou implorando.

Amor, você não me entende. Eu não te entendo. E não quero te entender mais. Não faço questão, e não é questão de fugir, é que realmente não faço mais tanta questãozinha assim de tentar entender, e amar.

Ele sabe que eu fugi porque estou tão envolvida que nem sei mais como começar algo sobre a dor. Fugi porque não queria que ele conhecesse meu lado de menina. Queria que ele continuasse com a ideia que sou realmente insensível. Mas não consegui. Estava tão envolvida que a única coisa que realmente queria era fugir para a casa dele. E tudo bem, e como diria Clarice Lispector: "Escuta: Eu te deixo ser, deixa-me ser então..."

13 de jun. de 2014

Drogadita do amor - Tati Bernardi



Alto, alto, alto. Subir, subir, subir. Ele disse uma frase certa, eu subo. Ele me olha do jeito certo, eu subo. Ele faz tudo errado e do jeito dele, eu subo também. Já não vejo mais o que ele diz e nem como ele faz, imagino, ele, assim, passível da minha imaginação. E eu subo, subo, subo. Não me deixe cair. Continue aí, não se mexa, repita aquela frase, com sua voz, perto do meu ouvido. Continue aparecendo nos mesmos horários e apenas some horas, jamais as tire de mim. Continue me amando como no primeiro minuto e ame mais e mais, jamais me tire amor. Mais, quero cheirar mais, aspirar mais. Não me deixe cair. Continue aí, não se mexa. Mais, mais, eu quero mais. Alto, alto, alto, só sei viver aqui. O resto dos dias e dos meses e de tudo, é espera. Espera para subir. Eu só sei viver aqui. Uma frase que leio e então eu subo. Um filme que vejo e então subo. Uma música. Um ódio também. Uma possibilidade de ser bicho e sentir as coisas assim desenfreadas e naturais e descabidas e violentas. E então eu subo. Vejo que a vida está prestes a ficar mais uma e então eu causo. Eu lambo as pessoas.
Eu ofendo as pessoas. Eu desapareço. Eu apareço sem avisar. Me desculpem, mas é assim que a vida volta. É assim que sinto a vida e não apenas as paredes da minha prisão nesse corpinho que eu nem sei se escolhi. É assim que volta a doer tudo, as tripas e seus nós, os fígados e seus medos, os corações e seus tamanhos além do espaço que deram pra gente. Eu tenho medo do chato, da hora de ir embora, eu tenho medo dos minutos do dia que não poderiam estar nesse filme que congela a respiração num susto longo, eu tenho medo dos casais que andam comportados e podados e agendados e controlados e casados. Não me deixe cair. Continue me dando vida, vida. Não quero, não sei viver, assim, em dias que se arrastam com suas burocracias de papéis cortantes, delicadezas vazias, obrigações sem talento e esforços sobrenaturais para não doer os outros. Uma vontade horrorosa de não existir mais. Não morro. Insisto. Daqui a pouco subo de novo. Um novo moço, um novo filme, uma nova história, ele de novo, como eu queria, ele de novo, e de novo e de novo, eu só queria ele de novo e de novo e de novo e de novo e de novo e qualquer coisa que me tire da espera e me leve pra onde não agüento.
Minha vida é estar entre a espera e o lugar alto do qual tenho vertigem. Não sei viver em lugar nenhum. Mas a vertigem, a vertigem, que maravilhoso que é quase morrer de tanto que se está vivo. Que maravilhoso que é poder se estatelar de vida e não de tédio. Sou uma drogada. Sou uma viciada. Preciso de ajuda, de médico, de remédio. Porque sou tão viciada em sentir esse torpor que todo o resto dos dias não passam de uma merda completa e uma espera insuportável. E a maneira dele falar, me olhar, e as coisas que ele vai saber e dizer. E então eu subo. E como ele se movimenta e então eu subo. E como ele diz que quer fazer e faz e eu subo.
Não me tire daqui, não sei viver, sim, é infantil, mas decidi ser infantil, armei toda a minha vida em volta do meu maior desejo que é ser infantil. E de novo, de novo, de novo, igual pedem as crianças. Quem não quiser brincar, apertar o play, jogar o jogo, apertar de novo o último andar, que morra estatelado do alto da minha vontade de sentir a vida. De novo eu quero girar. De novo eu quero ser virada de ponta-cabeça. De novo empurra forte a balança, o carrinho, tudo. De novo, de novo, de novo. E mais e sem fim e insuportavelmente muito. De novo. Mais brinquedo, mais amor, mais desespero. Eu quero sentir desespero. Eu quero cheirar mais, aspirar. Não me deixe cair, eu só sei viver aqui em cima. É frio, solitário, me dá sopro no coração, vontade de vomitar, sensação de morte, não como, não durmo, não sei, mas é aqui que sei viver. E de onde tudo fica valendo a pena. Me deixe ficar aqui em cima, mais e mais e mais. Eu sei, ninguém agüenta, todo dia, toda hora, eles querem subir, e me dão suas mãos calejadas, me leve com você, e eu levo, e eu levo eles comigo, lá pra cima, onde tudo dói tanto e ao mesmo tempo alegra além da vida.
 Mas eles pedem pra descer. Homens precisam estar no controle e precisam trabalhar e precisam sentir a vida rasteira e gostar dela, pra se libertar dessa vida fugaz e maravilhosa e terrível que sentem comigo, precisam raspar a sujeira de bosta dos sapatos no chão áspero. E eles pedem pra descer. E eu preciso estar no alto, congelada de frio e sozinha e filha da “putamente” congelada de frio e sozinha de novo. E então abro as mãos. Caiam. Vocês, meus amores, todos vocês, tão amados, todos vocês, que já viram esse descontrole meu, essa dor minha, esse desejo, vocês, queridos, meros traficantes, meros entregadores, meros fornecedores da minha droga. Apenas isso. Daqui a pouco vem outro e outro e outro. E nenhum fica. E sim é culpa deles. E minha. E da vida. Não existe culpa, existe apenas meu tempo e meu espaço que de tão corridos e altos não cruzam ninguém muito tempo, apenas dão uma ou outra breve carona no meu carrinho da montanha russa. Empresto vida demais pra quem me empresta um pouco sequer de vida. Preciso do disparo, de uma única bala e então acordo e saio chacinando tudo. Morra chatice de vida que vou levando ao lado dos que vão levando. E subo. Só sei viver d aqui. Desse lugar irreal e infantil e ridículo e absurdo. Esse lugar que defendo tanto com meus enormes dentes e unhas da cor pink.
Como é triste e absurdo e solitário defender um lugar que não existe e que eu própria não tenho músculos e nem fé para suportar. Eu defendo o lugar do qual não pertenço, mas pra onde eu tenho eterna passagem comprada e cancelada e comprada e cancelada. A espera de alguém que não vá embora, que aguente, que divida meu desespero ou apenas o suporte. A espera da pessoa que suba comigo e fique comigo lá em cima, me ensinando a viver lá de cima. A espera da pessoa que faça aqui embaixo ser algo tão bom que eu não precise mais brincar de assassina de tudo e de mim mesma. A espera da pessoa que não morra quando jogada da minha janela altíssima. E suba de novo. Ou não caia. Entenda que minha porrada não era para jogá-la do alto mas apenas porque estar no alto é se debater em tudo. E volte. E fique. E me deixe aqui embaixo. E me deixe aqui em cima. A espera eterna de mim mesma na versão que faz dar certo. Subir, subir, subir. Venham fornecedores, venham. Meros e caríssimos fornecedores. Minhas gasolinas do parque de diversões. Meus amores. Meu amor. De novo, meu amor. De novo. De novo. Subir. Subir. Subir. Me traga a minha droga antes que eu cheire coisas mais burras e mais feias e mais baratas e mais sem graças e mais menos qualquer coisa e sinta a pior ressaca do mundo que é a ressaca da droga fraca.
Me traga, vamos girar forte, subir muito alto, olhar todo mundo lá de cima e o medo de cair, o medo de despencar, as coxas flácidas, os olhos esbugalhados, caveiras cheias de uma vida que de tão louca nem existe nesse mundo. Subir, subir, subir. De novo, de novo, de novo. E cair. E cair gostoso. No fundo, eu gosto é de cair gostoso. Gostoso. Porque cair é subir de novo, estar lá em cima, alto demais, é apenas gritar, alto demais, e não ter ninguém pra ouvir. Socorro. Socorro. Socorro.


Tati Bernardi 

8 de jun. de 2014

Outra face




Depois de quase dois anos, nós temos amigos em comum. Esses amigos leves, sabe? Aqueles que me abraçam e tentam me beijar. Aqueles que me elogiam. Aqueles que me chamam pra beber. Aqueles que dizem que sou a pessoa mais engraçada e louca que eles conhecem. Finalmente, temos amigos em comum. Finalmente, tua verdade foi exposta no meu mundo de uma forma peculiar e engraçada. Porque de patética já basta eu.

Soube que você ilude as meninas, e que promete mil coisas. Soube também que você é fácil, e beija qualquer uma. E finalmente, não me sinto tão culpada por te ver beijando todas as noites uma, duas, três meninas. E fica tão mais claro analisar o fato que fui sempre tão leve, e que nunca te pedi mais do que a tua sinceridade. Nunca quis mais do que saber sobre você, e sua vida. Nunca quis mais do que estava do teu alcance, e da mesma forma, nunca te dei muito além do que não poderia. Soube então, que você é desses, daquele tipo insuportável que sinto nojo e que não gosto. Talvez, se a gente se conhecesse uma noite qualquer, certamente tomaria raiva em menos de dez segundos, mas a bonita aqui gosta de deixar tudo com cara de drama interrompido.

É outra face em que não estou disposta a conhecer, nem entender, muito menos ouvir. É outra face que me causa arrepios de medo, de insônia, de frio excessivo. Não é aquele arrepio que me deixava inteira louca, é só aquele arrepio de aversão. É aquela face em que me mostra que fiz certo em ir embora de vez do teu mundo sem ao menos te dizer adeus. Porque logicamente, você não merece o meu adeus, e nem meu tchauzinho de longe. E eu não faço questão alguma de escrever textos fofinhos, que expressem qualquer coisa nova que poderia surgir, porque sei que a vida é essa roda gigante sem nexo mas que todo mundo insiste, desiste, insiste de novo, e desiste pela última vez.

Teu peito já não é mais meu travesseiro preferido, como de fato, nunca chegou a ser realmente. Tua voz não é mais gostosa de ouvir. Já não gosto mais da sua mão sobre meu pescoço tirando o meu cabelo e tocando nas minhas tatuagens. Meu corpo não se encaixa mais no seu. Teu sorriso já não tem mais graça. Tuas promessas são de outras, e eu fico grata por saber que nunca me fez alguma promessa. Fico grata por finalmente entender que o problema não sou eu mesmo. E que mesmo que fosse, fiz o meu papel de menina apaixonada, e que hoje não tem mais graça alguma. Na verdade, não sei realmente se teve alguma graça nisso.

A tua outra face é feia e foi exposta  na minha vida. Tua outra face, teu outro jeito, teu outro olhar não são mais aqueles que um dia, eu fui apaixonada. Por que as pessoas mudam tanto, Deus? Por que nada pode ficar para sempre? Mas sabe de uma coisa? Ainda bem que tudo acaba, e que as pessoas mudam. Ainda bem que tudo passa. Ainda bem. 


"Porque você não pode voltar atrás no que vê. Você pode se recusar a ver, o tempo que quiser: até o fim de sua maldita vida, você pode recusar, sem necessidade de rever seus mitos ou movimentar-se de seu lugarzinho confortável. Mas a partir do momento em que você vê, mesmo involuntariamente, você está perdido: as coisas não voltarão a ser mais as mesmas e você próprio já não será o mesmo." (Caio Fernando Abreu)

4 de jun. de 2014

O resto das coisas - Tati Bernardi



O resto das coisas, eu me digo baixinho, você ainda tem todo o resto das coisas. Para não enlouquecer sem você, eu me agarro àquela lembrança desfocada e amarelada de que existe vida lá fora, e me pego tentando lembrar, com um esforço que quase me faz esquecer você por alguns segundos, o que seriam mesmo essas coisas. 
O que sobra quando você sai é um dia claro que me pede para dar um passo, apenas um passo. Mas eu fico dura que nem pedra para não desmontar e me espalhar pelo mundo. Não quero sujar nosso amor com a minha mania de amar despedaçada e esfarelada. Eu endureço e esqueço o resto das coisas, porque quero ficar toda inteira pra quando você me quiser de volta.
Tenho medo do vento que passa arrancando partes de mim e das pessoas que me envenenam, matando partes de mim. Não quero ouvir ninguém, não quero saber de nada, não quero sentir nada. Quero esperar você voltar reta e dura como uma estátua, porque tenho medo de me espalhar pelo mundo e nunca mais ser sua.
Imagine se, por causa daquele longo adeus que eu dei e que nunca mais acabou, porque o adeus definitivo dói demais, você volta e me encontra sem as mãos? Imagine se você me encontra sem joelhos porque resolvi contar a Deus o quanto ainda confundo amor com escravidão?
Imagine só você me encontrar sem fígado, porque você mesmo o deixou naquele pote estranho em cima do móvel da cozinha enquanto me contava coisas que eu não queria saber?
Não posso ser uma mulher incompleta, tem tanto amor dentro de mim que, mesmo eu sendo inteira, quase já não cabe. Mas se eu der um passo, um passo apenas, eu vou deixar um rastro do que eu fui pra você e você vai querer voltar pra casa como um cachorrinho fiel, mas não vai mais ter casa. Então eu cerro os olhos, trinco os dentes, fecho os punhos, engulo o ventre e espero você chegar, porque só você me vira do avesso sem perder nenhum grão de mim.
O resto das coisas do mundo quer sempre fazer trocas, o resto me dá vida, mas quer sempre meus pedaços. E eu acho uma traição sair por aí dando pedaços do meu pulmão para ares mais leves, pedaços do meu coração para risos mais despretenciosos, pedaços do meu umbigo para momentos de altruísmo.
A vida fica surda sem você, porque o volume do mundo abaixa para ouvir meu grito interno. O mundo fica passando como um filme Super Oito na parede, as pessoas estão felizes demais, mas parece que faz tempo demais e sentido nenhum. Sem você sinto essa felicidade sem som, como se, por maior que fosse um sentimento, ele já nascesse com defeito.
Eu sei que as ruas vão continuar com seus lixos, seus cinzas e suas possibilidades de destino. Eu sei que a poeira vai continuar dançando em volta do meu lustre enquanto eu tento me concentrar em duas ou três frases de um livro qualquer. Eu sei que eu posso muitas coisas sem você, e eu sei que, se eu tomar um banho quente e comprar uma roupa nova, talvez eu possa querer uma coisa que seja, só uma, sem você.
Nada muda no mundo quando você não caminha ao meu lado, as pessoas quase não percebem que falta metade do meu corpo e que eu não posso ser muito simpática porque toda a minha energia está concentrada para eu não tombar.
Os cachorros cheiram outros mijos, as pessoas estranhas fazem exercícios apertando as mãos levantadas para cima, alguns homens de terno insistem em usar óculos de surfistas como se fossem o super-homem que deixa aparecer um pedaço do S no peito. Ninguém deixa de espreguiçar só porque você não está aqui, ninguém deixa de molhar a torrada no café e de falar com voz idiota enquanto boceja.
E eu odeio o mundo por isso, eu acho o mundo muito medíocre, eu tenho pena de todas essas pessoas que não sabem o que é encaixar o rosto no vão das suas costas e querer ser embalsamado ali por mil anos.
Amor de verdade não acaba, é o que dizem, mas eu tenho medo. Eu tenho medo de quantos mijos, bocejos, cinzas e óculos de surfistas eu ainda vou ver sem você, eu tenho medo dos meus pedaços espalhados pelo mundo, eu tenho medo do vento passar enquanto eu estou míope, e eu ficar míope pra sempre.
Eu tenho medo de tudo isso apagar e o vento levar suas cinzas, desse fogo todo ser de palha, como dizem. Da dor que se dissipa a cada respirada mais funda e cheia de coragem de ser só. Eu tenho medo da força absurda que eu sinto sem você, de como eu tenho muito mais certeza de mim sem você, de como eu posso ser até mais feliz sem você.  Pra não pensar na falta, eu me encho de coisas por aí. Me encho de amigos, bares, charmes, possibilidades, livros, músicas, descobertas solitárias e momentos introspectivos andando ao Sol.
E todo esse resto de coisas deixa ao pouco de ser resto, e passa a ser minha vida, e passa a enterrar você de grão em grão, sujando seus dentes e olhos e nada eu posso com a pá que está na minha mão.
O vento está mais forte do que o vidro que eu fiz com os meus próprios grãos para me guardar para você. Ele está esmurrando a porta, escapando pelas frestas e eu gosto da brisa fina na minha testa aliviando o meu tormento.
Eu já quase quero ser varrida por ele, como se sentir tudo isso fosse uma sujeira. Eu já quase quero ficar surda com o zumbido do vento, e calar a boca do desgraçado que mora na minha cabeça.
Mas lembrar de você ainda tem o poder de congelar a natureza, de estancar a fresta aberta, de me fazer preferir o demônio quente na testa. Lembrar de você e de como é bom percorrer cada detalhe de tudo o que é seu ainda é melhor do que ser só minha ou me dissipar por aí, para sentir a leveza de querer um pouco de tudo e não muito de uma coisa só.
O resto das coisas continua encapado por um plástico vagabundo, pedindo que eu espere mais um pouco para rasgar tudo e voltar. Minha vida ficou velha quando te conheci e todo o esforço que eu faço para não morrer a cada segundo longe de você, é a lembrança de um velho caminhão de mudanças cheio de quinquilharias, sem rumo e perdido 

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